terça-feira, 19 de setembro de 2017

desejos, realidade e outros sonhos










Uma nova filosofia de vida






frases soltas






O meu outro lado




Meus pensamentos




A Vergonha do Dólar

CRÓNICAS DE BUSSULO DOLIVRO


Era um hábito, todos os finais do ano, o Soba Mbaka regedor da Aldeia Mbaka reunir-se com os seus aldeões, nas ribeirinhas do rio Ulonga. O propósito não passava das simples orientações agrícolas às novidades políticas e culturais, que eram notícias nos jornais da capital, Luanda.

E sempre que, o mês de Novembro chegasse, crianças, jovens e velhos cogitavam sobre a quantidade da colheita, de olhos fechados. O milho, o feijão e a mandioca assim como a bata-doce, preenchiam uma longa fila, em que as hortaliças tinham maior aderência nas panelas do litoral, Luanda e Benguela.


E isto sucedia quando o fumo se perdesse na atmosfera, o povo acorria descalço, partilhando ideias sobre a caça, pesca e possíveis viagens à cidade maravilhosa, Luanda até a beira do rio.

O caudal do famoso rio Ulonga beijava a aldeia numa curva majestosa de 90 graus, oferecendo a graciosidade da pesca artesanal, lavagem de roupa e consumo doméstico para todos os aldeões. Em poucos minutos estavam todos concentrados debaixo do único embondeiro, deixado pelo acaso natural dos fenómenos.

 – Kalungi? Saudava o regedor da aldeia, num gesto subtil, com as palmas, chamando atenção dos demais.
– Kuku, responderam os aldeões num coro saudoso, que precipitou as aves hibernadas nos ninhos do verão!

Normalmente o regedor da aldeia, principiava com uma canção, que se tornava tradicional, mas naquele dia, e naquela hora, decidiu chorar, abrindo uma maré-baixa de cacimbo no verão.

– A suku yange! Nhe twalinga?

O povo perplexo, sentiu o prenúncio de uma maldade no seio do poder tradicional, que se convertesse em doenças, seca ou mesmo o desaparecimento de toda aldeia. Tal facto sucedera pela primeira vez no ano 40 na época do milho vermelho, com os ancestrais do Regedor da aldeia.

O Soba com rosto pálido, cabisbaixo começou por informar, que desaparecera misteriosamente o dinheiro, que comprava a água, limpava as ruas da cidade de Luanda, e alegrava os deputados assim como os cachorros raivosos em Dezembro pelo que era necessário, que todos se concentrassem no campo, por estarem nas vésperas de uma catástrofe desconhecida.

– Até os pássaros vão morrer? Perguntou uma criança, que tinha a barriga maior, que o normal.
– O rio vai secar, meu filho, respondeu um ancião, encobrindo a vergonha ética dos pais. – Quando os mais velhos estão a falar, você fecha os pés, replicou o ancião oitocentista.

O Regedor acrescentou, – Não haverá chuva durante muito tempo, quem conseguiu colher muito, poupe e dê um pouco aos que, não têm. Equanto o Regedor terminava o povo inverteu o corpo da reunião, uns sentaram outros levantaram-se. Os proverbistas tossiam de desânimo, fazendo crer, que uma diarreia de fome se aproxima, na incontornável procura pelo dinheiro, que fazia dançar a cidade maravilha.

- Vamos deixar de receber sementes, enxadas e outros meios de trabalho, os dias difíceis estão por vir. Terminava o discurso do mais velho, depois de exemplificar repetidas vezes as sete formas de morrer feliz.

O povo manifestou-se pasmo, e um oceano de murmúrio ondulou às árvores, que já começavam a secar, como os dólares nos bancos privados da cidade maravilha.

O anúncio infortúnio surgiu numa altura em que o povo se preparava para o ritual sagrado do Ulambo, em que as crianças, que chegassem à puberdade eram circuncisadas, e as meninas um corte no clítoris era obrigatório. O ritual amenizava a desgraça na aldeia atraindo turistas para o início da permuta, processo colonial, precipitado por D.Cão de Portugal.

Duas horas depois o povo sentiu-se ofuscado, quando o Regedor decidiu retornar ao ritual do prolongamento das gerações – Litokeka ao invés do Ulambo. Este consistia no acasalamento obrigatório das meninas em idade fértil para que, deixassem descendentes, antevendo deste modo o fim da aldeia a ser imersa nas águas do rio Ulonga como no ano 40.


Esta atitude do Regedor abriu fuga de uma centena de meninas, que decidiram procurar outra forma de vida na cidade maravilha, Luanda, vendendo Cuecas e lábios secos de vergonha.  

O Romance de Agualusa - A Conjura na descrição de Bussulo Dolivro



Minhas Anotações
Seria utópico se dissesse, que a fadiga de um povo traumatizado pelo passado é prova de que Deus não a corda, e tais palavras, a prior, falsas ocupariam as colunas dos jornais cristãos. O primeiro julgamento viria de meus irmãos, que sempre me inspiraram, pois como o autor subscreve em textos acima, sustento, que nenhuma dor é interminável, nenhum império é imbatível, e nenhuma criança permanece infantil até que entre as pernas se sacodem a ira do calor!



– Mas ó menino! Põe tento naquilo que dizes...
Carlos da Silva encolheu os ombros, continuou:
– Como entendeis vós a independência? Como eu talvez, isto é, a desunião de Portugal, da nossa mãe pátria. Para quê, para nos acolhermos em seguida a qualquer bandeira estrangeira? Não ficaremos pois
independentes. A cerimônia que se fizer não será mais do que a mudança de papéis porque continuaremos a estar dependentes, se não de Portugal, da nação a cuja bandeira nos formos acolher. E não será melhor que continuemos a ser portugueses, e com bastante orgulho porque os nossos avós o foram, os nossos pais o são?
Severino interrompeu-o:
– Orgulho? Pois você tem orgulho em ter por tutor um país como Portugal? Que nada nos trouxe de bom, que nada fez para o desenvolvimento de Angola! Que apenas nos assegura a miséria, o embrutecimento, a fome, a morte enfim? É o orgulho do boi pela canga que o traz cativo!

***
– Ainda que venha a república, Portugal não tem capacidade para desenvolver Angola. Melhor seria que nos vendessem à França, à Alemanha ou à Inglaterra, como de resto o pretendem alguns senhores deputados.

Do segundo capítulo Pág. 68-69

***
Os ecos desta pacífica revolta, desta clamorosa passeata pela baixa pombalina, chegaram a Luanda atrasados de alguns dias. Chegaram contudo mais vivos de cor, crescentados de tiros e de sangue e de piedosos detalhes destinados a despertar o espírito da nação.




Quando o velho colonialista Silva Porto se embrulhou na bandeirinha azul do reino e, empoleirado num barril de pólvora, se fez explodir, a ele e à sua libata e a todo o armamento e munições, sabia com certeza que estava
a lançar petróleo à alta fogueira dos ódios nacionalistas e, assim, indiretamente, a perpetrar um massacre.

– A Sanga transformou-se na pátria de todos os perseguidos, de todos os ofendidos, de todos os humilhados. Viviam nela gentes de diferentes tribos, serviçais e homens da cidade. E o que tinham de comum entre eles era o mesmo combate contra o muene puto, a mesma funda ânsia de liberdade. E é isso que nós queremos também...

Do Terceiro capítulo, pág, 82-83 e 105

****
Por esta altura deflagravam em Luanda uma série de greves e sobressaltados acontecimentos, tendo como origem um artigo inserto no número quatro d’A Gazeta de Loanda, único periódico que, ao tempo, se publicava na capital da colônia.
O dito artigo multiplicava-se em insultos soezes contra a raça negra, não sendo daí, porém, que vinha a maior novidade; de novo havia que, tomando por base tais dantas-baratismos, o audaz croniqueiro se atrevia a construir teorias e a avançar com propostas que até então ninguém havia ousado publicamente apadrinhar. Por exemplo, propunha que se substituíssem as penas de prisão por castigos corporais, pois “meter em ferros d’El Rei um preto que delinquiu assassinando, roubando, ferindo, ofendendo a moral por ações ou palavras, não é aplicar um castigo, é antes incitá-lo ao crime, é lisonjear-lhe o instinto, é dar-lhe o prêmio. Pois qual é o ideal do preto senão comer sem trabalhar? Qual é a sua lei, a sua norma de vida, o seu superior anseio? Não somos apologistas dos castigos corporais. Achamo-los uma barbaridade, pelo mesmo motivo que achamos a pena de morte um crime oficial. Mas umas palmatoadas não matam ninguém”.

Do quinto capítulo, pág159

Minhas Anotações

Seria utópico se dissesse, que a fadiga de um povo traumatizado pelo passado é prova de que Deus não a corda, e tais palavras, a prior, falsas ocupariam as colunas dos jornais cristãos. O primeiro julgamento viria de meus irmãos, que sempre me inspiraram, pois como o autor subscreve em textos acima, sustento, que nenhuma dor é interminável, nenhum império é imbatível, e nenhuma criança permanece infantil até que entre as pernas se sacodem a ira do calor! 

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Kinaxixi - Arnaldo Santos na leitura de Bussulo Dolivro

O passado conhecido, nunca morre. Kinaxixi. É uma teia de fotografias vivas, articuladas num cenário narrativo em que se confunde a prosa da poesia. É nela onde ressurgem factos da herança colonial; como a arquitectura da baixa de luanda, o preconceito entre as forças do preto e o brilho do mulato; as ideias da unicidade familiar mais educada em relação aos pardos da terra, da violência fria urbana por falta de emprego e segurança social – porque ele/ela é preta (o).
Todo este álbum descrito a preto e branco na Luanda colonial, ocorria numa calma aparente, e hoje aparentemente persistem, nós revivemos com pequenas silhuetas da coisificação, do que nada nos pertence, e da mania ostentosa daquilo, que nunca foi nosso.
Na obra Kinaxixi a felicidade urbana pertence às crianças, perante uma juventude adulto, que se transforma em verdadeiros Griotes.

BDolivro


terça-feira, 5 de setembro de 2017

10 CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOCIEDADE DOS SONHADORES INVOLUNTÁRIOS

O Blog Listas Literárias leu A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, de José Eduardo Agualusa publicado por Tusquets Editores; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira: 

1 - Lírico e onírico, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários é uma narrativa a ser lida tanto em seu contexto político quanto literário em que os limiares dos gêneros são provocados e quando os sonhos do autor e de suas personagens interligam-se de forma a constituir-se num manifesto político bastante veemente;

2 - Voz contra a ditadura angolana, Agualusa, neste romance irá explicitar seus desejos e sua luta através desta narrativa empenhada que se utiliza dos sonhos e das nuances do gênero fantástico para estruturar seu romance de forte caráter político que tem menos de sátira e mais de manifesto de tal modo que em determinados momentos a militância explícita sobrepõe-se à narração;

3 - No romance, distintos personagens interligados pelos mistérios do sonhar, ao mesmo tempo que trazem ao leitor suas experiências oníricas, paulatinamente vão desnudando o regime de opressão e violência promovido pelo regime autoritário e ditatorial de Angola, cuja ditadura persiste desde 1979. No caso do livro, são os sonhos que aproximam-no do fantástico, contudo, a presença de um neurocientista e das próprias inexatidões confessas tornam tudo mais difuso, de modo que as subjetividades e metáforas ganham valor com tais escolhas;

4 - Essa aproximação ou mesmo imersão ao fantástico e à metáfora, aliás, tem sido uma forma eficiente e recorrente com a qual a literatura tem usado para refletir sobre o totalitarismo e o autoritarismo, como foi o caso de grandes autores brasileiros como Érico Veríssimo e José J. Veiga quando da ditadura militar no Brasil e outros grandes nomes da literatura latino-americana. Através da "suspensão" do real ou a ressignificação desta realidade, como no caso desta obra, podemos então observar as contradições, a violência e o trauma de uma determinada sociedade de modo, que a meu ver, a literatura com tanta eficiência quanto, mas muito mais humana e decente,  torna-se uma forma de luta em nome dos oprimidos e massacrados pelos déspotas, ditadores, tiranos, etc;


5 - Todavia, para um olhar crítico de maior profundidade, diversas complexidades e contradições surgirão a partir de olhares construídos para este romance, como a própria reflexão da intensidade do engajamento de Agualusa e a discussão dos limites em panfletarismo e resistência, pois imerso no drama, o caráter ideológico de tal modo explícito provoca estas discussões. Na verdade, entre a sátira e o fantástico, diferentemente, por exemplo, das obras nacionais que falamos, as quais suas problemáticas eram colocadas por meio de uma grande subjetividade - devido também as restrições da censura -, em A Sociedade dos Sonhadores Involuntários os desejos/sonhos do autor são atirados de forma tão explícita que mais parecem um grito do que a chamada ao pensar; 

1 - Lírico e onírico, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários é uma narrativa a ser lida tanto em seu contexto político quanto literário em que os limiares dos gêneros são provocados e quando os sonhos do autor e de suas personagens interligam-se de forma a constituir-se num manifesto político bastante veemente;

2 - Voz contra a ditadura angolana, Agualusa, neste romance irá explicitar seus desejos e sua luta através desta narrativa empenhada que se utiliza dos sonhos e das nuances do gênero fantástico para estruturar seu romance de forte caráter político que tem menos de sátira e mais de manifesto de tal modo que em determinados momentos a militância explícita sobrepõe-se à narração;

3 - No romance, distintos personagens interligados pelos mistérios do sonhar, ao mesmo tempo que trazem ao leitor suas experiências oníricas, paulatinamente vão desnudando o regime de opressão e violência promovido pelo regime autoritário e ditatorial de Angola, cuja ditadura persiste desde 1979. No caso do livro, são os sonhos que aproximam-no do fantástico, contudo, a presença de um neurocientista e das próprias inexatidões confessas tornam tudo mais difuso, de modo que as subjetividades e metáforas ganham valor com tais escolhas;

4 - Essa aproximação ou mesmo imersão ao fantástico e à metáfora, aliás, tem sido uma forma eficiente e recorrente com a qual a literatura tem usado para refletir sobre o totalitarismo e o autoritarismo, como foi o caso de grandes autores brasileiros como Érico Veríssimo e José J. Veiga quando da ditadura militar no Brasil e outros grandes nomes da literatura latino-americana. Através da "suspensão" do real ou a ressignificação desta realidade, como no caso desta obra, podemos então observar as contradições, a violência e o trauma de uma determinada sociedade de modo, que a meu ver, a literatura com tanta eficiência quanto, mas muito mais humana e decente,  torna-se uma forma de luta em nome dos oprimidos e massacrados pelos déspotas, ditadores, tiranos, etc;

5 - Todavia, para um olhar crítico de maior profundidade, diversas complexidades e contradições surgirão a partir de olhares construídos para este romance, como a própria reflexão da intensidade do engajamento de Agualusa e a discussão dos limites em panfletarismo e resistência, pois imerso no drama, o caráter ideológico de tal modo explícito provoca estas discussões. Na verdade, entre a sátira e o fantástico, diferentemente, por exemplo, das obras nacionais que falamos, as quais suas problemáticas eram colocadas por meio de uma grande subjetividade - devido também as restrições da censura -, em A Sociedade dos Sonhadores Involuntários os desejos/sonhos do autor são atirados de forma tão explícita que mais parecem um grito do que a chamada ao pensar;

10 - Enfim, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários é uma leitura com muitas entradas e saídas. Com sua prosa envolvente entre o engajamento e a resistência é uma narrativa que certamente deve ser bem vista por leitores curiosos ou mesmo por críticos, de modo que se haverá quem não goste, provavelmente estarão nas fileiras do regime angolano. Do mesmo modo, é portanto uma leitura que nos convida a reflexões para além desta simples avaliação do blog e nos leva a debater questões ainda tão importantes para nossa sociedade, especialmente para os que anseiam por um mundo menos totalitário e autoritário.