CRÓNICAS DE BUSSULO DOLIVRO
Era um hábito,
todos os finais do ano, o Soba Mbaka regedor da Aldeia Mbaka reunir-se com os seus
aldeões, nas ribeirinhas do rio Ulonga. O propósito não passava das simples
orientações agrícolas às novidades políticas e culturais, que eram notícias nos
jornais da capital, Luanda.
E sempre que,
o mês de Novembro chegasse, crianças, jovens e velhos cogitavam sobre a
quantidade da colheita, de olhos fechados. O milho, o feijão e a mandioca assim
como a bata-doce, preenchiam uma longa fila, em que as hortaliças tinham maior
aderência nas panelas do litoral, Luanda e Benguela.
E isto sucedia
quando o fumo se perdesse na atmosfera, o povo acorria descalço, partilhando
ideias sobre a caça, pesca e possíveis viagens à cidade maravilhosa, Luanda até
a beira do rio.
O caudal do
famoso rio Ulonga beijava a aldeia numa curva majestosa de 90 graus, oferecendo
a graciosidade da pesca artesanal, lavagem de roupa e consumo doméstico para
todos os aldeões. Em poucos minutos estavam todos concentrados debaixo do único
embondeiro, deixado pelo acaso natural dos fenómenos.
– Kalungi?
Saudava o regedor da aldeia, num gesto subtil, com as palmas, chamando atenção
dos demais.
– Kuku, responderam
os aldeões num coro saudoso, que precipitou as aves hibernadas nos ninhos do
verão!
Normalmente o
regedor da aldeia, principiava com uma canção, que se tornava tradicional, mas
naquele dia, e naquela hora, decidiu chorar, abrindo uma maré-baixa de cacimbo
no verão.
– A suku yange! Nhe twalinga?
O povo
perplexo, sentiu o prenúncio de uma maldade no seio do poder tradicional, que
se convertesse em doenças, seca ou mesmo o desaparecimento de toda aldeia. Tal
facto sucedera pela primeira vez no ano 40 na época do milho vermelho, com os ancestrais do Regedor da aldeia.
O Soba com
rosto pálido, cabisbaixo começou por informar, que desaparecera misteriosamente
o dinheiro, que comprava a água, limpava as ruas da cidade de Luanda, e
alegrava os deputados assim como os cachorros raivosos em Dezembro pelo que era
necessário, que todos se concentrassem no campo, por estarem nas vésperas de
uma catástrofe desconhecida.
– Até os pássaros vão morrer?
Perguntou uma criança, que tinha a barriga maior, que o normal.
– O rio vai secar, meu filho, respondeu um ancião,
encobrindo a vergonha ética dos pais. – Quando os
mais velhos estão a falar, você fecha os pés, replicou o ancião oitocentista.
O Regedor
acrescentou, – Não haverá chuva durante muito tempo, quem conseguiu colher
muito, poupe e dê um pouco aos que, não têm. Equanto o Regedor terminava o povo
inverteu o corpo da reunião, uns sentaram outros levantaram-se. Os proverbistas
tossiam de desânimo, fazendo crer, que uma diarreia de fome se aproxima, na
incontornável procura pelo dinheiro, que fazia dançar a cidade maravilha.
- Vamos deixar de receber sementes, enxadas e outros
meios de trabalho, os dias difíceis estão por vir.
Terminava o discurso do mais velho, depois de exemplificar repetidas vezes as
sete formas de morrer feliz.
O povo manifestou-se
pasmo, e um oceano de murmúrio ondulou às árvores, que já começavam a secar,
como os dólares nos bancos privados da cidade maravilha.
O anúncio
infortúnio surgiu numa altura em que o povo se preparava para o ritual sagrado
do Ulambo, em que as crianças, que
chegassem à puberdade eram circuncisadas, e as meninas um corte no clítoris era
obrigatório. O ritual amenizava a desgraça na aldeia atraindo turistas para o
início da permuta, processo colonial, precipitado por D.Cão de Portugal.
Duas horas
depois o povo sentiu-se ofuscado, quando o Regedor decidiu retornar ao ritual
do prolongamento das gerações – Litokeka
ao invés do Ulambo. Este consistia no acasalamento obrigatório das meninas em
idade fértil para que, deixassem descendentes, antevendo deste modo o fim da
aldeia a ser imersa nas águas do rio Ulonga como no ano 40.
Esta atitude
do Regedor abriu fuga de uma centena de meninas, que decidiram procurar outra
forma de vida na cidade maravilha, Luanda, vendendo Cuecas e lábios secos de
vergonha.
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