Um jovem angolano caminhava solitário pela praia.
Parou por alguns instantes para agradecer aos deuses por aquele momento
milagroso: o deslumbramento de sua terra natal.
O silêncio o fez adormecer em seu âmago, despertando
inesperadamente com o bater das ondas sobre as pedras. De repente, surgiram das
matas homens estranhos e pálidos que o agarraram e o acorrentaram. Sua coragem
e o medo travaram naquele momento uma longa batalha... Ele chamou pelos seus pais
e clamou pelo seu Deus. Mas ninguém o ouviu. Subitamente mais e mais rostos
estranhos e pálidos se uniram para rirem de sua humilhação. Vendo que não havia
saída, o jovem angolano atacou um deles, mas foi impedido por um golpe. Tudo se
transformou em trevas.
Um balanço interminável o fez despertar dentro do
estômago de uma criatura. Ainda zonzo, ele notou a presença de guerreiros de
outras tribos. Todos se demonstraram incrédulos sobre o que estava acontecendo.
Seus olhos cheios de medo indagavam. Passos e risos de seus algozes foram
ouvidos acima.
Durante a viagem muitos guerreiros morreram, sendo
seus corpos lançados ao mar. Dias depois, já em terra firme, ele é tratado e
vendido como um animal. Com o coração cheio de “banzo” ele e outros negros
foram levados para um engenho bem longe dali. Foram recebidos pelo proprietário
e pelo feitor que, com o estalar do seu chicote não precisou expressar uma só
palavra.
Um dia, em meio ao trabalho, o jovem angolano fugiu.
Mas não foi muito longe; foi capturado por um capitão do mato. Como castigo foi
levado ao tronco onde recebeu não duas, mas cinqüenta chibatadas. Seu sangue se
uniu ao solo bastardo que não o viu nascer.
Os anos se passaram, mas a sua sede por liberdade era
insaciável. Várias vezes foi testemunha dos maus tratos que o senhor aplicava
sobre as negras, obrigando-as a se entregarem. Quando uma recusava era
imediatamente açoitada pelo seu atrevimento. A Sinhá, desonrada, vingava-se
sobre uma delas, mandando que lhe cortassem os mamilos para que não pudesse
aleitar.
O jovem angolano não suportando mais aquilo fugiu
novamente. No meio do caminho encontrou outros negros fugidos que o conduziram
ao topo de uma colina onde uma aldeia fortificada – um quilombo – estava sendo
mantida e protegida por escravos.
Ali ele aprendeu a manejar armas e, principalmente a
ensinar as crianças o valor da cultura africana. Também foi ali que conheceu a
sua esposa, a mãe de seu filho. Com o menino nos braços, ele o ergue diante as
estrelas mostrando-o a Olorum, o deus supremo...
Surgem novos rostos, estranhos e pálidos, mas de
coração puro, os abolicionistas. Eram pessoas que há anos vinham lutando pelo
fim do cativeiro. Suas pressões surtiram efeito. Leis começaram a vigorar,
embora lentamente, para o fim da escravatura: A Lei Eusébio Queiroz; a do
Ventre-Livre, a do Sexagenário e, finalmente, a Lei Áurea. A juventude se foi.
O velho angolano agora observa seus netos correndo
livremente pelos campos.
Aprenderam com o
pai a zelarem pelas velhas tradições e andarem de cabeça erguida.
Um dia o velho ouviu o clamor do seu
coração: com dificuldade caminhou solitário até a praia. Olhou compenetrado
para o horizonte. Agora podia ouvir as vozes de seus pais sendo trazidas pelas
ondas do mar.
A noite caiu cobrindo o velho angolano com o seu
manto... Os tambores se calaram... No coração do silêncio suas palavras
lentamente ecoaram:
“Estou
voltando... Estou voltando...”