A LUA TINHA UMA
FILHA BRANCA e em idade de casar. Um dia apareceu-lhe em casa um monhé pedindo
a filha em casamento. A
lua perguntou-lhe:
— Como pode ser
isso, se tu és monhé? Os monhés não comem ratos nem carne de porco e também não
apreciam cerveja... Além disso, ela não sabe pilar...
O monhé
respondeu:
__ Não vejo
impedimento porque, embora eu seja monhé, a menina pode continuar a comer ratos
e carne de porco e a beber cerveja... Quanto a não saber pilar, isso também não
tem importância, pois as minhas irmãs podem fazê-lo.
A lua, então,
respondeu:
__ Se é como
dizes, podes levar a minha filha que, quanto ao mais, é boa rapariga.
O monhé levou
consigo a menina. Ao chegar a casa foi ter com a sua mãe e fez-lhe saber que a
menina com quem tinha casado comia ratos, carne de porco e bebia cerveja, mas
que era necessário deixá-la à-vontade naqueles hábitos. Acrescentou também que
ela não sabia pilar, mas que as suas irmãs teriam a paciência de suprir essa
falta.
Dias depois, o
monhé saiu para o mato à caça. Na sua ausência, as irmãs chamaram a rapariga
(sua cunhada) para ir pilar com elas para as pedras do rio e esta desatou a
chorar.
As irmãs
censuraram-na:
__ Então tu
pões-te a chorar por te convidarmos a pilar?... Isso não está bem! Tens de
aprender porque é trabalho próprio das mulheres.
E, sem mais
conversas, pegaram-lhe na mão e conduziram-na ao lugar onde costumavam pilar.
Quando chegaram
ao rio puseram-lhe o pilão na frente, entregaram-lhe um maço e ordenaram que
pilasse.
A rapariga
começou a pilar, mas com uma mágoa tão grande que as lágrimas não paravam de
lhe escorrer pela cara. Enquanto pilava ia-se lamentando:
__ Quando estava
em casa da minha mãe não costumava pilar...
Ao dizer estas
palavras, a rapariga, sempre a pilar e juntamente com o pilão, começou a
sumir-se pelo chão abaixo, por entre as pedras que, misteriosamente, se
afastavam. E foi mergulhando, mergulhando... até desaparecer.
Ao verem aquele
estranho fenômeno, as irmãs do monhé abandonaram os pilões e foram a correr
contar à mãe o que acontecera. Esta ficou assustada com a estranha novidade e
tinha o coração apertado de receio quando chegou o monhé, seu filho.
Este, ao ouvir o
relato do que acontecera à sua mulher, ralhou com as irmãs, censurando-as por
não terem cumprido as suas ordens. Apressou-se a ir ter com a lua, sua sogra,
para lhe dar conta do desaparecimento da filha.
A lua, muito
irritada, disse:
__ A minha filha
desapareceu porque não cumpriste o que prometeste. Faz como quiseres, mas a
minha filha tem de aparecer!
__ Mas como
posso ir ao encontro dela se desapareceu pelo chão abaixo?
A lua mudou,
então, de aspecto e, mostrando-se conciliadora, disse:
__ Bom, vou
mandar chamar alguns animais para se fazer um remédio que obrigue a minha filha
a voltar... Vai para o lugar onde desapareceu a minha filha e espera lá por
mim.
O monhé foi-se
embora e a lua chamou um criado ordenando:
__ Chama o
javali, a pacala, a gazela, o búfalo e o cágado e diz-lhes que compareçam, sem
demora, nas pedras do rio onde desapareceu a minha filha.
O criado correu
a cumprir as ordens e os animais convidados apressaram-se para chegar ao lugar
indicado. A lua também para lá se dirigiu com um cesto de alpista. Quando
chegou ao rio, derramou um punhado de alpista numa pedra e ordenou ao porco que
moesse.
O porco,
enquanto moia, cantou:
__ Eu sou o
javali e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças ao som da minha
voz!
Nesse momento
ouviu-se a voz cava da menina que, debaixo do chão, respondia:
__ Não te
conheço!
O javali,
despeitado, largou a pedra das mãos e afastou-se cabisbaixo. Aproximou-se em
seguida a pacala e, enquanto moia, cantou:
__ Eu sou a
pacala e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças ao som da minha
voz!
Ouviu-se
novamente a voz da menina que dizia:
__ Não te
conheço!
A gazela e o
búfalo ajoelharam também junto do moinho, fazendo a sua invocação, mas a menina
deu a ambos a mesma resposta:
__ Não te
conheço!
Por último,
tomou a pedra o cágado e, enquanto moía, cantou:
__ Eu sou o
cágado e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças ao som da minha
voz!
A menina cantou,
então, em voz terna e melodiosa:
__ Sim, cágado,
à tua voz eu vou aparecer!...
E, pouco a
pouco, a menina começou a surgir por entre as pedras do rio, juntamente com o
pilão, mas sem pilar. Quando emergiu completamente parou e ficou silenciosa.
Os animais
juntaram-se todos, curiosos, à volta da menina.
Então, a lua
disse:
__ Agora a minha
filha já não pode continuar a ser mulher do monhé pois ele não soube cumprir o
que me prometeu. Ela será, daqui para o futuro, mulher do cágado, pois só à sua
voz é que ela tornou a aparecer.
Então o cágado
levantou a voz dizendo:
__ Estou muito
feliz com a menina que acaba de me ser dada em casamento e, como prova da minha
satisfação, vou oferecer-lhe um vestido luxuoso que ela vestirá uma só vez,
pois durará até ao fim da sua vida.
E, dizendo isto,
entregou à menina uma carapaça lindamente trabalhada, igual à sua.
Da ligação do
cágado com a filha da lua é que descendem todos os cágados do mundo...